Com o dinheiro que ganhou limpando sapatos de profissionais
como juízes, desembargadores e advogados, o engraxate Joaquim Pereira, de 24
anos, acaba de se formar em direito em uma instituição particular de Goiânia.
Mesmo com o diploma em mãos, ele não abandonou o ofício que aprendeu quando era
criança e que lhe rende cerca de R$ 2 mil por mês.
Agora, o objetivo é se preparar para passar no Exame da
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e, depois, continuar estudando para ser
promotor de Justiça. “Não quero ser qualquer profissional”, ressalta. Até lá, o
jovem comunicativo e bem-humorado continuará cativando seus clientes como
engraxate nas ruas do centro da capital. Sem deixar a vaidade de lado, já que
uma das suas peculiaridades é trabalhar sempre bem vestido, com calça, camisa e
sapatos impecáveis.
Ao deixar a cidade de Monte de Alegre de Goiás, na região
nordeste do estado, em 2006, o jovem não se imaginava formado. Joaquim lembra
que quando saiu da sua cidade natal para morar na capital tinha a esperança de
que logo seria contratado em uma empresa e se tornaria um profissional de
destaque. Mas viu que não era bem assim. Ele demorou três meses para conseguir
emprego em uma fábrica de enxovais. Quando recebeu o primeiro salário mínimo,
concluiu que não era o suficiente para se manter em Goiânia. Na época, ele
morava com o irmão. “Vim pra trabalhar. Depois, vi que precisava estudar
para crescer, para ter um emprego melhor”, conta.
Entre as coisas que tinha trazido do interior estava a caixa
de engraxate, pois sabia que talvez precisasse usá-la. Em Monte
Alegre de Goiás, ele apreendeu a profissão observando. Aos 11 anos
começou a limpar sapatos quando queria comprar uma roupa ou um tênis. Apesar de
trabalhar esporadicamente, ganhou experiência.
Devido à insatisfação com o emprego, ele decidiu, em um
sábado, ir para as ruas de Goiânia e ver como se sairia de engraxate. “Ganhei
R$ 20 e atendi umas dez pessoas. Mesmo não sendo muito, fiz as contas e vi que
podia render”, afirma. Segundo ele, na segunda-feira, três meses após ser
admitido na fábrica, pediu demissão. “Indagaram porque eu retrairia tanto.
Pensaram que eu estava revoltado”, lembra. O jovem comenta ainda que não
foi uma decisão fácil, pois teve medo de ser rejeitado. “Tive medo da reação
dos meus amigos e dos colegas”, diz.
No primeiro semestre que trabalhou como engraxate, Joaquim
terminou o ensino médio em uma escola pública de Goiânia e começou um curso de
webdesigner, mas não gostou. Enquanto isso, a profissão de engraxate
deslanchava.
Samba da vitória
Depois de um ano limpando sapatos, Joaquim decidiu que
entraria para uma faculdade de direito. “Vendo o dia a dia dos advogados e
conversando com eles, concluí que queria ser um deles”, afirma. A decisão de
ingressar em uma universidade foi criticada por muitos conhecidos. ”Falavam que
eu não daria conta de terminar, que era muito difícil e caro”, conta. No
entanto, ele persistiu com o sonho de se formar, passou no vestibular e
começou, em 2008, o curso de direito em uma instituição de ensino particular.
“Se a gente quiser ter sucesso na vida, tem que se submeter ao risco”, ressalta.
Joaquim afirma que os cinco anos da faculdade não foram
fáceis. “Já na primeira prova tirei zero. Aquilo me baqueou, até pensei em
desistir, mas falei ‘vou estudar’, e assim fiz”, recorda-se. Ele estudava de
manhã, e à tarde ia trabalhar como engraxate até as 19h, pois precisava ganhar
dinheiro para pagar o curso.
Além de estudar e trabalhar nas ruas, Joaquim tinha de
cumprir suas tarefas domésticas, como lavar roupa e arrumar a casa. O irmão
dele se casou e ele foi morar com um amigo, no Centro de Goiânia. O bacharel em
direito ainda conta que separava um tempo para tocar violão e estudar música, que
é uma de suas paixões. Ele é evangélico e gosta de cantar na igreja. “Tem que
ter disciplina para ter tempo de fazer tudo”, ensina.
A ajuda para pagar a faculdade veio no 7º período, quando
ele conseguiu uma bolsa da Organização das Voluntárias de Goiás (OVG). Na mesma
época, ele também conseguiu um estágio na Procuradoria Geral do Município por
indicação de um cliente, onde trabalhou até dezembro do ano passado. Apesar do
trabalho, ele continuou a engraxar nos horários livres.
A colação de grau ocorreu no último dia 19, na capital
goiana. “Foi extraordinário. Estou muito feliz”, comenta. Os pais de Joaquim
vieram de Monte Alegre de Goiás para prestigiar o filho. Ele, que é o caçula da
família, também contou com a presença de um, dos três irmãos. “Eles estão muito
orgulhosos de mim, do que conquistei”, ressalta. No evento, Joaquim ainda foi
homenageado pelo reitor da instituição de ensino. O jovem engraxate foi o aluno
destaque da turma.
Sonhos
Mesmo formado, Joaquim não se importa de engraxar sapatos nas ruas de Goiânia.
O jovem tem a admiração de seus clientes. “Ele é um exemplo de que nada é
impossível. Poucas pessoas têm a capacidade e o esforço de concluir um curso
superior engraxando sapato”, ressalta o advogado Aldemir Leão da Silva. O rapaz
garante que exercerá a função até encontrar um bom emprego, com boa
remuneração.
Inicialmente, o objetivo é passar no exame da OAB para ter
seu registro de advogado e poder exercer a profissão que escolheu. Devido ao
seu esforço, o jovem ganhou um curso preparatório para a prova, que ocorrerá em
agosto. As aulas serão julho.
Depois de fazer a prova, Joaquim vai começar uma
pós-graduação. Ele ganhou bolsa integral da especialização, que, se ele fosse
pagar, custaria cerca de R$ 9 mil. Joaquim sonha alto, ele quer se tornar um
promotor de Justiça. “Vou continuar estudando cada vez mais para passar em um
concurso e ser promotor”, reforça.
Com o dinheiro de engraxate, ele também conseguiu tirar a
Carteira Nacional de Habilitação. Esse é um primeiro passo para alcalçar outro
objetivo, o de trocar a bicicleta por um carro."Quando se sonha, se tem um
objetivo e não desiste, as coisas acontecem", ressalta.
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