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quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Movimento para acabar com mutilação genital se espalha pelo Senegal .

Parte da população deseja abandonar procedimento ao qual cerca de 92 milhões de mulheres na África foram submetidas

Quando Aissatou Kande era uma menina, sua família seguiu uma tradição considerada essencial à sua adequação para se casar. Seu clitóris foi cortado, sem nenhuma anestesia para aliviar a dor. Mas no dia de seu casamento, Kande, com a cabeça coberta modestamente em um xale branco liso, prometeu proteger suas próprias filhas desse antigo costume. Dias depois, sua aldeia em Sare Harouna, no Senegal, declarou que iria abandonar a mutilação genital feminina para sempre.



Em todo o continente, cerca de 92 milhões meninas e mulheres foram submetidas ao procedimento. Mas, como mais de 5 mil outras aldeias senegalesas, Sare Harouna aderiu a um crescente movimento para acabar com a prática.

A mudança ainda não chegou à nova casa de Kande na aldeia de seu marido, mas se os anciãos locais a pressionarem para circuncidar sua filha Babya ela garante que acabará com o casamento. "Eu vou resistir." Ela conta também com o apoio de seus pais.  "Eles nunca ousariam fazer isso com minha neta e nós não iremos permitir isso", disse a mãe de Kande, Marietou Diamank.

O movimento para acabar com mutilação genital no Senegal está se espalhando em um ritmo acelerado pelos mesmos laços de família e etnias que eram utilizados para consolidá-la. Com isso, uma prática antes vista como uma parte imutável da vida de uma menina em muitos grupos étnicos e nações africanas está mais perto do fim, embora esse ritmo acelerado seja visto apenas no Senegal.


A mudança está acontecendo sem os bilhões de dólares que foram despejados em outras prioridades da saúde global em todo o mundo em desenvolvimento nos últimos anos. Mesmo depois de fazer campanha contra a mutilação genital, as Nações Unidas arrecadaram menos da metade dos US$ 44 milhões que disseram precisar para ajudar a acabar com a prática.

Mas aqui no Senegal, o Tostan, um grupo cujo nome significa "avanço" em Wolof, língua dominante no país, teve um grande impacto com um programa de educação que busca chegar a um consenso africano sobre os perigos da prática, tomando o cuidado de não denunciá-la como algo bárbaro da forma que ativistas ocidentais costumam fazer. O Parlamento do Senegal oficialmente proibiu a prática mais de uma década atrás e o governo tem sido muito favorável aos esforços do Tostan.

"Antes não seria sequer possível discutir isso", disse Mamadou Dia, governador da região de Kolda onde esta localizada a aldeia. "Era um tabu. Agora você vê milhares de pessoas abandonando a prática."

Sare Harouna se juntou a outras 118 aldeias em uma cerimônia de abandono da prática. As pessoas chegavam de ônibus, de charrete e de caminhão. Conforme a escuridão caía, mulheres iluminadas por fogueiras mexiam panelas de cuscuz e carne para as hordas de visitantes.

O evento do dia seguinte reuniu autoridades que fizeram discursos curtos. Adolescentes encenaram peças sobre os perigos da mutilação genital. Contadores de histórias tradicionais, conhecidos como griots, entretiveram a multidão reunida.

Nos últimos 15 anos, as medidas para acabar com a prática ganharam impulso de tal forma que a maioria das aldeias senegalesas onde a mutilação genital era comum se comprometeram a encerrá-la, segundo oficiais da ONU e do Tostan.

Com muito poucos recursos para replicar os cursos de saúde e aulas de direitos humanos do Tostan em toda a África, Nafissatou Diop, que coordena a campanha das Nações Unidas, está em busca de uma solução mais rápida e estratégias mais baratas para mudar as convenções sociais sobre a mutilação.

O Tostan tem prosseguido um esforço ambicioso com o apoio da Unicef e outros grupos internacionais, mas seu programa de dois ou três anos custa cerca de US$ 21 mil dólares por aldeia – uma soma substancial considerando-se a quantidade de comunidades que ainda mantém a prática. "O programa é transformador e como uma mulher africana eu adoro isso, mas precisamos agir rápido", disse Diop, que é senegalesa.

Bassi Boiro, a idosa responsável pela mutilação em Sare Harouna, disse que sempre realizou o rito antes do amanhecer sob os galhos de uma árvore sagrada, longe da aldeia. "Os homens não podiam ouvir os gritos da menina", ela explicou. "Eles não fazem parte disso."



Quatro mulheres seguram os braços e as pernas de cada menina, geralmente entre idades de 5 e 7 anos. Durante muitos anos, Boiro usou uma faca transmitida ao longo das gerações de cortadoras de sua família até que ela se tornou "muito cega até para cortar quiabo". Ela, então, passou a usar lâminas de barbear.

Mas Boiro disse que já aceitou a decisão de Sare Harouna de acabar com a prática e fala sobre os danos causados pelo trabalho de sua vida. "Eu não sabia que era minha culpa", disse.

Muusaa Jallo, o imam da aldeia, estava convencido da necessidade de encerrar a prática e espalhou a palavra a muitas outras aldeias. Conforme sua bebê colocava o pequeno dedo através de um buraco na sua meia, ele colocou a mão suavemente sobre a cabeça dela e disse: "Eu já decidiu que essa aqui não será cortada."

Sua filha de oito anos de idade, Alimata, estava sentada solenemente ao lado, com os olhos baixos. "Eu vou abandonar a prática como meus pais fizeram", disse, de maneira quase inaudível. "Eu não vou fazer isso com as minhas filhas. Não é bom fazer isso que fizeram isso comigo."

Por Celia W. Dugger


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