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sábado, 2 de junho de 2012

Obama ordena ataques cibernéticos contra o Irã, diz NYT


Desde seus primeiros meses na Presidência, Barack Obama ordenou secretamente um aumento de ataques sofisticados contra o sistema digital que coordena as atividades de enriquecimento nuclear do Irã, expandindo significativamente o uso americano de armas cibernéticas, de acordo com fontes que participaram do programa e foram ouvidas pelo jornal “New York Times”.

Obama decidiu acelerar os ataques — que tiveram início no governo de George W. Bush e foram apelidados de “Jogos Olímpicos” — mesmo após um elemento do programa se tornar público acidentalmente em 2010, por causa de um erro de programação que o permitiu escapar da usina de Natanz e circular pelo mundo todo através da internet. Especialistas em segurança de computadores que começaram a estudar o vírus, desenvolvido pelos Estados Unidos e por Israel, batizaram-no: Stuxnet.

Em um tenso encontro na “situation room” da Casa Branca dias após o vazamento do vírus, Obama, o vice-presidente Joe Biden e o diretor da CIA da época, Leon Panetta, consideraram que a tentativa mais ambiciosa dos EUA de atrasar o progresso do programa nuclear iraniano tinha sido fatalmente comprometida.

— Deveríamos acabar com isso? — perguntou Obama, de acordo com membros da equipe de segurança nacional que estavam na reunião.

Ao saber de que não tinham certeza do quanto os iranianos conheciam sobre o código e que o vírus ainda estava causando estragos para eles, Obama decidiu que os ciberataques deveriam continuar. Nas semanas seguintes, a usina de Natanz foi atingida por uma nova versão do vírus, e depois por uma outra. O último ataque dessa série, poucas semanas após o Stuxnet ser detectado ao redor do mundo, parou temporariamente quase mil das cinco mil centrífugas do Irã que giravam para purificar urânio.

Esse relato do esforço americano e israelense para minar o programa nuclear iraniano é baseado em entrevistas feitas nos últimos 18 meses com oficiais americanos, europeus e israelenses que trabalharam ou ainda participam do programa, além de especialistas externos no assunto. Nenhum deles autorizou a divulgação de seus nomes porque o programa é secreto.

Esses oficiais fizeram observações divergentes sobre o quão bem-sucedido foi o programa para retardar o progresso de Teerã no desenvolvimento de suas habilidades para construir armas nucleares. O governo Obama estima que o resultado é um atraso de um ano e meio a dois anos, mas alguns especialistas de dentro e fora do governo são mais céticos, ressaltando que o nível de enriquecimento do Irã já foi recuperado, dando hoje ao país combustível suficiente para ser ainda mais enriquecido e gerar pelo menos cinco armas.

O governo americano admitiu apenas recentemente o desenvolvimento de armas cibernéticas, mas nunca admitiu que as tenha usado. Há relatos de ataques contra computadores pessoais usados por membros da al-Qaeda e ataques contra computadores responsáveis pelos sistemas de defesa aérea, incluindo um durante o ataque aéreo da Otan contra a Líbia no ano passado. Mas os “Jogos Olímpicos” foram um novo passo, de tipo e sofisticação completamente diferentes.




Um grande processo de pesquisas e estudos está sendo feito para descobrir a origem de um outro vírus, o Flame, que soube-se recentemente ter sido usado em ataques contra computadores iranianos, varrendo informações das máquinas. Esse código teria cinco anos de idade. Autoridades americanas dizem que ele não faz parte dos “Jogos Olímpicos” e se recusam a dizer se os EUA foram responsáveis pelo ataque. Um ministro israelense já insinuou que Jerusalém poderia estar por trás do Flame, mas um porta-voz negou a possibilidade logo depois.

Segundo participantes das reuniões secretas em Washington, Obama estava ciente de que cada ataque levava os EUA para um território inexplorado — como seus antecessores fizeram ao usar armas atômicas, mísseis intercontinentais e aviões não tripulados. Ele manifestou várias vezes sua preocupação de que qualquer informação de que os americanos estavam usando armas cibernéticas poderia levar outros países, terroristas ou hackers a justificar seus próprios ataques.

Obama disse a seus assessores que não haveria tempo para a diplomacia ou sanções funcionarem com o Irã caso a operação “Jogos Olímpicos” falhasse. Israel faria um ataque militar convencional, desencadeando um conflito que poderia se espalhar pela região.

Uma iniciativa do governo Bush

O ímpeto dos “Jogos Olímpicos” remonta a 2006, quando o presidente George W. Bush viu poucas opções para lidar com o Irã. Nessa época, os aliados europeus dos Estados Unidos estavam divididos sobre o custo que sanções impostas ao Irã teriam em suas economias. Após acusar falsamente o iraquiano Saddam Hussein de reconstituir seu programa nuclear, Bush tinha pouca credibilidade para discutir publicamente ambições nucleares de outros países. Os iranianos pareceram perceber sua vulnerabilidade e, frustrados pelas negociações, reiniciaram o enriquecimento de urânio na usina subterrânea de Natanz, cuja existência tinha sido exposta apenas três anos antes.

O presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, levou repórteres para um tour na usina e falou sobre sua ambição de instalar mais de 50 mil centrífugas. O número pareceu questionável para o governo Bush, já que o país tinha apenas um reator nuclear, cujo combustível vinha da Rússia, e dizia precisar do material para seu programa nuclear civil. Temeu-se que o combustível fosse usado em outras funções que não fossem fornecer energia: para criar um estoque que mais tarde poderia ser enriquecido para bombas se houvesse uma decisão política para tal.

Pessoas do alto escalão de Bush, como o vice-presidente Dick Cheney, pediram que ele considerasse um ataque militar contra as instalações nucleares do Irã antes que fosse produzido combustível para armas nucleares. Por várias vezes, o governo reviu as opções militares e concluiu que isso iria apenas inflamar ainda mais uma região já em guerra, com resultados incertos.

Por anos, a CIA infiltrou peças defeituosas e projetos nos sistemas iranianos, mas esse modo de sabotagem tinha tido poucos resultados. O general James E. Cartwright, que tinha implantado uma pequena ciberoperação no Comando Estratégico dos EUA (que é responsável por várias forças nucleares do país), apresentou a Bush e à sua equipe de segurança nacional uma nova e radical ideia, que envolvia uma arma cibernética muito mais sofisticada do que o que país já tinha desenvolvido até então.

O objetivo era ter acesso aos computadores de controle da usina de Natanz. Isso requeria ultrapassar a barreira eletrônica que separava Natanz da intente. O código invadiria os computadores especializados que comandam as centrífugas.

O primeiro estágio desse projeto foi desenvolver um código que servisse como uma espécie de sinalizador e que fosse inserido nos computadores, para mapear suas operações. A ideia era reproduzir o equivalente à planta elétrica da usina, para entender como os computadores controlam as enormes centrífugas que rodam em velocidades impressionantes. Bush era cético sobre o plano, mas, na falta de opções, autorizou sua execução.

Levou meses para que os sinalizadores fizessem seu trabalho e dessem retorno, com mapas completos dos diretórios eletrônicos dos controladores, o que levou às plantas de como eles eram conectados às centrífugas subterrâneas.

Então, a Agência de Segurança Nacional dos EUA e uma unidade secreta israelense “respeitada pela inteligência americana por causa de suas habilidades cibernéticas” começaram a desenvolver um complexo e enorme vírus.

Os israelenses tinham profundo conhecimento sobre as operações em Natanz, que seriam vitais para tornar um ataque virtual um sucesso. Mas as autoridades americanas tinham outro interesse: dissuadir os israelenses de realizar seu próprio ataque preventivo contra as instalações nucleares do Irã. Para isso, os israelenses precisavam ser convencidos de que a nova linha de ataque estava funcionando. O único modo de fazer isso, disseram os oficiais ouvidos durante as entrevistas, era deixá-los profundamente envolvidos em todos os aspectos do programa.

Ataque pegou iranianos de surpresa

Testes foram feitos em centrífugas que o ditador líbio Muamar Kadafi tinha comprado do Paquistão e desistido de usar em 2003. Esses ensaios em pequena escala foram surpreendentemente bem sucedidos: o vírus invadiu os computadores e ficou à espreita por dias ou semanas antes de mandar instruções para aumentar ou diminuir a velocidade das centrífugas tão repentinamente que as peças delicadas, girando de forma supersônica, autodestruíam-se. Um dia, perto do fim do mandato de Bush, partes de uma centrífuga destruída foram levadas para uma reunião na “situation room”, como prova do poder potencial de uma arma cibernética. O vírus foi declarado pronto para ser testado contra o verdadeiro alvo: a usina nuclear subterrânea do Irã.

— Ciberataques anteriores tiveram resultados limitados em outros computadores — afirma Michael V. Hayden, ex-chefe da CIA, recusando-se a descrever o que ele sabia desses ataques quando estava no posto. — Esse foi o primeiro ataque de natureza maior em que um ciberataque foi utilizado para causar destruição física — ao invés de apenas reduzir a velocidade de outro computador ou invadi-lo para roubar informações.

Os primeiros ataques foram pequenos e, quando as centrífugas começaram a girar fora de controle em 2008, os iranianos ficaram confusos sobre a causa, de acordo com interceptações que os EUA tiveram acesso posteriormente.

— O pensamento era de que os iranianos culpariam peças ruins, ou má engenharia, ou apenas a incompetência — afirma um dos participantes que arquitetaram o ataque.

Os iranianos estavam confusos em parte porque não houve dois ataques exatamente iguais. Além disse, o vírus se escondia dentro da usina por semanas, gravando a operação normal; quando atacava, mandava sinais para a sala de controle indicando que tudo estava funcionando normalmente debaixo do solo.

— Essa deve ter sido a parte mais brilhante do vírus — afirmou um agente americano. — A intenção era que as falhas os fizessem se sentir burros e foi o que aconteceu.

Quando algumas centrífugas deram problema, os iranianos pararam dispositivos que ligavam 164 máquinas, para procurar sinais de sabotagem em todas elas.

— Eles reagiram além do esperado. Nós descobrimos que pessoas foram demitidas — contou o agente.

Erro fez com que vírus vazasse e colocou israelenses sob suspeita

Mas, até Bush deixar a Casa Branca, nenhuma destruição em massa tinha sido realizada. Ao encontrar Obama dias antes de sua posse, Bush pediu que ele preservasse dois programas secretos: o dos “Jogos Olímpicos” e o dos aviões não tripulados no Paquistão. Obama aceitou os conselhos de Bush.

Os arquitetos do ciberprograma o encontravam na “situation room”, frequentemente com um esboço esquemático gigante das instalações nucleares do Irã. Obama autorizou a continuidade dos ataques e era avisado de cada novidade para autorizar as etapas seguintes.

— Desde seus primeiros dias no governo, ele estavam profundamente a par da operação de atraso do programa iraniano. A diplomacia, as sanções, todas as decisões grandes. E é seguro dizer que qualquer outra atividade que pudesse ter acontecido não fugiria a essa regra — diz um alto integrante do governo.

Mas essa boa fase não durou. Em 2010, pouco após uma nova variação do vírus chegar a Natanz, soube-se que o vírus, que nunca deveria sair das máquinas da usina, tinham se libertado. Um erro no código permitiu que ele vazasse para o computador de um engenheiro enquanto ele estava ligado às centrífugas. Quando o engenheiro saiu de Natanz e conectou o computador à internet, o vírus não conseguiu identificar que o ambiente tinha mudado. Começou a se replicar por todo o mundo. De repente, o código ficou exposto, apesar de sua intenção não ficar evidente, ao menos para usuários comuns de computadores.

— Acreditamos que foi uma modificação feita pelos israelenses. E não sabemos se fizemos parte dessa atividade — relatou um oficial a Obama.

O presidente americano teria feito uma série de perguntas, temeroso de que o vírus pudesse causar estragos fora da usina.

— Devem ter sido os israelenses. Eles foram longe demais — acusou um irritado Biden.

De fato, tanto israelenses quanto americanos tinham como objetivo uma área particular da centrífuga, uma parte crítica cuja perda ou danificação faria os iranianos recuarem consideravelmente. Não está claro quem foi responsável pelo erro de programação.

A questão para Obama era se o resto da operação “Jogos Olímpicos” estava em perigo, agora que uma variante do vírus estava se replicando “na natureza”, onde especialistas em segurança de computadores poderiam dissecá-la e descobrir seus objetivos.

Obama teria dito neste dito que ainda não havia informação o suficiente sobre a usina. Ordenou que os ciberataques continuassem. Eles eram sua esperança mais forte de interromper o programa nuclear iraniano, a não ser que as sanções econômicas começassem a ter mais efeito e reduzissem as receitas advindas do petróleo iraniano.

Após uma semana, outra versão do vírus derrubou quase mil centrífugas da usina. A operação continuava a funcionar.

O futuro incerto das armas cibernéticas

Os ciberataques não se limitam ao Irã, mas o foco “tem sido esmagadoramente em um país”, como definiu um funcionário. Não há razão para acreditar que a situação continuará assim por muito tempo. Alguns integrantes do governo questionam por que as mesmas técnicas não são usadas mais agressivamente contra a Coreia do Norte. Outros veem chances de interromper o planejamento militar chinês, as forças da Síria que reprimem protestos ou as operações da al-Qaeda planeta afora.

— Nós cogitamos muito mais ataques do que levamos adiante — afirma um ex-oficial da inteligência americana.

Obama já alertou seus assessores repetidas vezes sobre os riscos de usar (e usar excessivamente) esse tipo de arma. Na verdade, a infraestrutura de nenhum país é mais dependente de sistemas digitais, e por isso mais vulnerável a ataques, que a dos Estados Unidos. Muitos especialistas acreditam que é uma questão de tempo antes do país se tornar alvo do mesmo tipo de arma que os americanos usaram, secretamente, contra o Irã.

Da Agência O Globo.

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